Núcleo Museológico
"Nada nem ninguém, nem mesmo as espantosas máquinas voadoras que permitem a progressiva conquista do espaço exterior, conseguem retirar o encanto, a magia e a importância que as primitivas máquinas e ferramentas exibem discretamente, na sua aparente inutilidade, na sua condição de trastes velhos e desintegrados da realidade actual."
O homem pensa porque tem mãos
Anaxágoras, século V a. C.
Este conjunto de Aparelhos de Precisão é constituído por uma série de objectos idealizados e construídos em várias épocas e que evidenciam uma grande capacidade de resposta que o Homem vai tendo para dar satisfação a muitas das necessidades que foi sentindo ao longo do tempo.
Máquinas para talhar rodas dentadas, tornos, aparelhos de medida, calibres, compassos e tantas outras pequenas ferramentas que contribuíram para a construção de outros engenhos, que foram dando corpo ao mundo do trabalho, fragmentos de uma longa história que interpelam e advinham o nosso tempo. Objectos plenos de “engenho e arte”, eles representam períodos da evolução tecnológica, que sucumbiram, inexoravelmente, às consequências da evolução que ela própria foi fomentando, tornando-se obsoletas e fascinantes memórias do passado. O conceito de precisão tem hoje outros sentidos e outras exigências; os padrões de medida tornaram-se de tal modo exigentes que, paradoxalmente, estamos cada vez mais perto da precisão e mais longe dela. Apesar dos avanços tecnológicos, continuamos a procurar maneiras mais simples e eficazes de medir e de pesar, que permitam no dia-a-dia resolver os problemas que são postos ao Homem nos domínios comerciais, industrias e científicos.
Curiosamente, a palavra precisão reúne dois conceitos que, neste caso, têm objectivos comuns; a precisão no sentido do rigor e a precisão no sentido da necessidade. As peças aqui expostas, produtos de imaginação e sagacidade, são aparelhos primorosos que permitem a aproximação ao rigor, através do qual o Homem deseja alcançar a precisão/perfeição que os seus sentidos lhe negam.
Torno para tornear madeira
Século XVII / XVIII
Reconstrução de JC, RM, MT e JA
Construído em carvalho, ferro, bronze e couro. Peça que reúne os avanços técnicos mais significativos no seu tempo. Pedal, biela e roda de balanço preconizados por Leonardo da Vinci.
É de assinalar também uma inovação da maior importância, referenciada na Encyclopedia Diderot & d’Alembert, que é a capacidade de abrir fusos a partir da árvore móvel, provida de um sistema rudimentar de pentes que permitem a execução de fusos curtos, de quatro passes diferentes, por meio de pequenas alavancas em madeira accionadas à mão.
Com provável origem na Holanda, foi reconstruído entre 2007 e 2008, mantendo a sua traça original e a grande maioria dos seus componentes.
Colecção Armazém das Artes - Doação do Fundador
Homenagem a Leonardo da Vinci
José Aurélio – Aço e Latão, 2004
Pequeno torno construído pelo Escultor com base num desenho de Leonardo da Vinci que propõe três inovações fundamentais para a evolução das máquinas ferramentas em geral e do torno em particular: a roda de balanço, a biela, e o pedal.Estas invenções, como tantas outras de Leonardo da Vinci, só mais tarde puderam ser concretizadas a partir do desenvolvimento dos recursos técnicos.
Colecção do Autor
Torno Mecânico
Finais do século XIX
Reconstrução de MT e JA
Torno para tornear metais com características únicas; um barramento construído em madeira de carvalho serve de suporte aos elementos mecânicos convencionais que apresentam a maioria das inovações técnicas da sua época com particular relevância para a transmissão por cardã e embraiagem para o movimento transversal do carro, na sua função de fazer fusos de passes variáveis, conforme as rodas dentadas utilizadas e ainda redutor de velocidade no cabeçote e inversor para o movimento da árvore.
De assinalar ainda a existência de batentes de profundidade com o objectivo de limitar os avanços transversais.
Colecção Armazém das Artes - Doação de Monsieur Marc Thiebaud , 2007
Torno de Guilhochar
Finais do século XIX
Utilizado para desenhar as tampas das caixas dos relógios de pulso e das salvas de prata.
Colecção Armazém das Artes - Doação Manuel Alcino e Filhos, Lda
Fresadora
Século XIX
Máquina de talhar rodas dentadas.
Colecção Armazém das Artes - Doação do Fundador
Rondideira
Século XIX
Máquina de acabamento de rodas dentadas.
Colecção Armazém das Artes - Doação do Fundador
O Homem e as Medidas
A necessidade dispôr de instrumentos cada vez mais rigorosos para a medição do tempo em que decorre a vida do Homem, das cotas dos objectos que fabrica, do peso daquilo que comercializa, da temperatura, da humidade e da pressão atmosférica do espaço que habita, das distâncias que o separam de outros lugares, fez da precisão um elemento fundamental da construção de todos esses objectos.
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Micrómetro alemão, Princípios do Séc. XX. | Torno de relojoeiro em latão, finais do Séc. XIX. |
Algumas dessas peças elevadas hoje à qualidade de obras de arte, ostentam, para além extraordinária minúcia com que foram fabricadas, um notável espírito de pioneirismo que abriu novos horizontes ao fabrico das ferramentas que hoje servem as mais diversas tecnologias.
As suas qualidades estéticas e funcionais cada vez mais nos impressionam, por serem testemunhos de épocas em que os recursos eram extremamente limitados.
A colecção do Armazém das Artes é da maior importância porque se insere num diálogo com novas expressividades, diálogo que acreditamos irá ajudar a entender as relações intimas que existem entre todos os actos criadores.
As Máquinas e o Homem
A paixão de José Aurélio estende-se a todas as formas da criação humana. O desenvolvimento das técnicas de transformação dos materiais deixou um legado, injustamente esquecido, onde se engloba um vasto campo de experimentação na permanente criação de novas máquinas que elevaram o Homem ao patamar do supremo criador.
A própria teologia, mantendo este epíteto em exclusivo para Deus, não raras vezes, usou metáforas baseadas nas invenções do engenho humano.
Durante vários séculos, por exemplo, o relógio serviu de metáfora à forma como o Mundo foi criado.
O relógio implicava um criador que o concebia, tudo funcionava em plena harmonia, e a mecânica dos componentes permitia à máquina trabalhar de forma automática.
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Máquina de cortar discos, princípios do séc. XX. | Pequeno torno mecânico inglês, de marca Zyto, anos 40 do séc. XX. |
O relógio foi assim considerado, durante largos séculos, como a mãe de todas as máquinas.
Para dar forma aos objectos que foi inventando, o Homem teve necessidade de criar máquinas que, em quase todos os domínios da sua acção, permitiram fabricar objectos cada vez mais perfeitos, satisfazendo um maior número de necessidade e com custos que os tornaram mais acessíveis a um cada vez maior número de pessoas.
Nos primórdios da Era Industrial, as máquinas eram simples e rudimentares, com características próprias, sendo a sua diversidade a demonstração clara da grande apetência do Homem nesse campo de actividade, estando na origem do desenvolvimento da sociedade actual.
Esta Colecção, com particular incidência em máquinas de corte, é composta por tornos de madeira, tornos mecânicos, frezadoras e outras máquinas-ferramenta, que pelas suas características específicas, foram sendo adquiridas e restauradas pelo fundador. Dela fazem parte peças muito raras, como por exemplo, um torno provavelmente do século XVII que já então produzia roscas por meio de pentes incorporados na árvore.
O Armazém das Artes entende que deve ser homenageada a memória de todos os inventores e artífices que conceberam e fabricaram as máquinas que estão na origem da evolução tecnológica que o mundo vem desfrutando ao longo dos últimos 500 anos, visionada em grande parte por Leonardo Da Vinci.
Esta colecção encontra-se em fase de instalação, estando prevista a sua inauguração ao público durante o ano de 2008, em data a anunciar oportunamente.